quinta-feira, outubro 13, 2011

Serviço Social nas Escolas Já!


Quem se esquece da cena do filme "Cidade de Deus" onde o chefe do tráfico manda um garoto pegar a arma e atirar em outro, mais novo, como critério de punição por furtarem a vizinhança mediante uma gangue? O garoto se vê, precocemente, diante de um dilema que, independente da escolha (atirar ou não), resultará em marcas profundas para seu desenvolvimento humano. Mesmo sendo ficção, todos sabemos que este contexto é vivenciado cotidianamente por muitas crianças em nosso país.

Quero falar do caso do garoto de 10 anos da escola pública de São Caetano do Sul-SP, que levou a arma do pai guarda civil para a escola, atirou na professora e depois se suicidou. Recentemente, foi decretado o fim das investigações, sem resultar em nenhum indiciamento. Lendo, lembrei imediatamente das mães de meninas que compuseram uma gangue para saquear lojas no bairro de Vila Mariana, São Paulo. Neste caso, todas as mães foram presas com a suposta alegação de "não serem responsáveis" pela educação das filhas, porém, o pano de fundo somente surgiu muitos dias depois: as meninas furtaram lentes de contato, piercings de pressão e apliques de bonecas. "Quero ser bonita, tia", disse uma delas. "Eu não sou bonita tia, olha a cor [negra] da minha pele", disse uma outra. O Conselho Tutelar da região e a Assistência Social do município confirmam que algumas das garotas compõem a terceira geração de vivência social nas ruas...Ressaltado pelo fechamento contínuo dos CRECAS pela Prefeitura de São Paulo. (Fonte: Folha de S. Paulo - 28/08/2011).

No caso de um menino no contexto do "Cidade de Deus", lhe roubam a infância. No caso da Gangue das Meninas elas roubaram "de volta" a infância delas tomada. Tomada não por algum sujeito, mas por nós, que negligenciamos cada dia mais esse direito garantido no ECA.

Mas, e no caso do garoto de São Caetano do Sul, a motivação para fazer o que fez "morreu com ele" como disse a delegada? Tal motivação, portanto, pertence exclusivamente ao "universo de fantasias" de uma criança?

Quem de nós negaria que experimentou sentimentos negativos ou idéias destrutivas aos 10 anos de idade? Quem, nessa idade, não praguejou contra uma professora ou uma inspetora de escola? Ou até desejou armar alguma represália como um alfinete na cadeira, um papel com bobagens escritas e colado nas costas da professora, um desdenho à aula mediante um texto provocativo na redação?

Agora, a delegada dizer que o garoto atirou na professora "para assustar", mesmo que tenha aguardado um determinado momento para atirar e, logo depois o tiro, se dirigir à escada e atirar DUAS vezes contra si próprio, na cabeça, e vincular tal atitude a uma simples fatalidade? Então querer assustar a professora com um tiro gerou nova curiosidade em saber o que iria acontecer se atirasse em sua própria cabeça?

Não estou aqui buscando elementos para traçar uma imagem demoníaca do menino, muito pelo contrário, até porque não acredito em demônios, tampouco ficou provado que a "família religiosa" do menino não foi garantia de "proteção divina" ao ocorrido. Descarto também a continuidade de se tentar explicar o ocorrido pela via irracional, ou seja, atribuindo ao destino, provação, carma de reencarnação, etc. Quero apontar que chega a ser frágil a afirmação a de que o garoto quis assustar, até porque quem ou qual instituição ensina crianças que é legítimo assustar alguém com um disparo de arma de fogo? A escola, a família, a religião?

Não vi os pais do garoto, principalmente o pai, serem presos como foram as mães das meninas da Vila Mariana, bem como não desejo que fossem. Porém, ouvir da delegada que o pai do garoto não teve responsabilidade no fato dele ter levado sua arma carregada para a escola, é escandaloso.

Todavia, escândalo informado e não fundamentado, se transforma em alimento para o preconceito social e banaliza a compreensão do próximo escândalo, e assim por diante...Pois a afirmação da delegada me deixou com mais perguntas do que certezas, por exemplo: se o pai não foi responsável pela arma terá sido responsável, em alguma medida, pela educação ao filho sobre o que significa ser um profissional que é autorizado pelo estado a atirar em alguém, a "matar bandido", a "matar gente ruim", a "dar corretivo a quem não presta"? Também a educação sobre o que é viver e morrer, sobre a tal "dignidade humana", sobre o tal "pecado" de matar e se matar?

De fato, a construção da liberdade do garoto parece ter sido a tal ponto banalizada que o fato de estar armado na escola (que já não é incomum no país, infelizmente) já esgota diversas possibilidades para além de se afirmar que a motivação do ato "morreu junto com o garoto", como disse a delegada.

Em suma, não posso deixar de compreender o desfecho de tudo isso como mais um exemplo que reflete o resultado das políticas públicas precárias, alimentando o preconceito social de que somente com a solidariedade do tipo "Projeto Amigos da Escola" vão cobrir tais mazelas. Se pesquisarmos sobre o assunto "Suicídio Infantil", iremos constatar que esta situação tem mais fatores de risco relacionados à saúde mental das crianças e a falta de proteção sócio-familiar do que qualquer elucubração policial possa definir.

Pela reconstrução e fortalecimento dos CRECAS.

Pela valorização, capacitação e ampliação dos Conselhos Tutelares.

Pela reformulação das polícias e do conceito de polícia.

Pela ampliação dos Centros de Atenção Psico-Social para a Infância - CAPS i.

Pela inserção de Assistentes Sociais e Psicólogos nas Escolas Públicas!

Para que o cotidiano das crianças tenha a presença concreta de elementos sociais que legitimem seus direitos e não mais o seu definhamento.

Caso encerrado?